quinta-feira, 6 de maio de 2010

das mudanças do gostar

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"Por trás dessa sua irritação justificada, entretanto, espreitava uma exasperação menos defensável: pelo fato de Lawrence, apesar de não ser baixo, não ser muito alto. De Lawrence, mesmo estando em forma, não ter uma silhueta mais fina, porque não havia abdominais que conseguissem afinar uma certa grossura de seu tronco, já que esse era o feitio de seu corpo. De Lawrence, apesar de bem-sucedido em sua área, não ter uma ocupação exótica que mantivesse magnificamente abertas as cozinhas dos restaurantes, em qualquer horário, e que o instalasse em hotéis chiques. De Lawrence, apesar de virtuoso, não exalar um perfume inebriante de fumo escuro e torrado, de vinho tinto caro e de algo mais em que Irina não conseguiria pôr o dedo, e provavelmente não deveria. De Lawrence, apesar de bem-falante, ter um velho e batido sotaque norte-americano, igualzinho ao dela.
Do outro lado da balança estava a bondade mental. De certo modo, eram justamente as falhas de Lawrence que ela amava - ou era para revelar suas falhas que servia o amor dela. Irina jamais esqueceria a primeira vez em que havia notado que o cabelo de seu companheiro estava começando a rarear, nem a ternura penetrante que essa descoberta havia fomentado. Perversamente, ela o amara mais por ter menos cabelo, nem que fosse por ele precisar de um pouquinho mais de amor para compensar qualquer minúsculo acréscimo de beleza objetiva que tivesse perdido. Assim, nessa noite, foi justamente o fato de ele não ser alto - de ter sido, sim, meio chato no jantar, além de desconfiado e, por isso mesmo, menos agradável, para não falar em ríspido, preconceituoso e impaciente, com uma manchinha de mostarda na gola da capa, provavelmente do sanduíche de presunto do almoço -, o próprio fato de ele não fazer os empregados darem pulos, por ser uma grande celebridade, e de não falar com um sotaque cativante do sul de Londres, e de não exibir dedos primorosamente afilados, mas uns cotos curtos e grossos feito a salsicha do café da manhã, foi tudo isso que a fez pender para uma disposição mais terna. Irina cingiu-lhe a cintura com os braços. O abraço com que Lawrence retribuiu foi ferroz."


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Lionel Shriver
que, no segundo livro que escreveu, O mundo pós-aniversário, já conquista lugar na minha lista de preferidos
porque só ela consegue brincar com as intrincações da psicologia dessa maneira.


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