quarta-feira, 3 de novembro de 2010

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O amor não resolve nada. O amor é uma coisa pessoal, e alimenta-se do respeito mútuo. Mas isto não transcende o colectivo. Levamos já dois mil anos dizendo-nos isso de amar-nos uns aos outros. E serviu de alguma coisa? Poderíamos mudá-lo por respeitar-nos uns aos outros, para ver se assim tem mais eficácia. Porque o amor não é suficiente.

José Saramago



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Eu amo. Eu respeito. Ou tento, pelo menos.



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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

about love, again.

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“One who has never been in love might mistake either infatuation or a mixture of affection and sexual attraction for being in love. But when the ‘real thing’ happens, there is no doubt. A man in the jungle at night, as someone said, may suppose a hyena’s growl to be a lion’s; but when he hears a lion’s growl, he knows damn well it’s lions.”

Vanauken

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terça-feira, 24 de agosto de 2010





"And I seem to find
The happiness I seek
When we're out together
Dancing cheek to cheek"



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sou feliz quando dançamos juntos, meu sorriso diz.


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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

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"
I've found almost everything ever written about love to be true. Shakespeare said "Journeys end in lovers meeting." What an extraordinary thought. Personally, I have not experienced anything remotely close to that, but I am more than willing to believe Shakespeare had. I suppose I think about love more than anyone really should. I am constantly amazed by its sheer power to alter and define our lives. It was Shakespeare who also said "love is blind". Now that is something I know to be true. For some quite inexplicably, love fades; for others love is simply lost. But then of course love can also be found, even if just for the night. And then, there's another kind of love: the cruelest kind. The one that almost kills its victims. It's called unrequited love. Of that I am an expert. Most love stories are about people who fall in love with each other. But what about the rest of us? What about our stories, those of us who fall in love alone? We are the victims of the one sided affair. We are the cursed of the loved ones. We are the unloved ones, the walking wounded. (...) I understand feeling as small and as insignificant as humanly possible. And how it can actually ache in places you didn't know you had inside you. And it doesn't matter how many new haircuts you get, or gyms you join, or how many glasses of chardonnay you drink with your girlfriends... you still go to bed every night going over every detail and wonder what you did wrong or how you could have misunderstood. And how in the hell for that brief moment you could think that you were that happy. And sometimes you can even convince yourself that he'll see the light and show up at your door. And after all that, however long all that may be, you'll go somewhere new. And you'll meet people who make you feel worthwhile again. And little pieces of your soul will finally come back. And all that fuzzy stuff, those years of your life that you wasted, that will eventually begin to fade."



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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

da amizade (ou da inexistência dela)

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Se tem uma coisa que o tempo me ensinou é que qualquer amizade está sujeita a ter um fim. Aliás, a grande maioria delas tem esse destino. Alguns fins são dramáticos, outros são simplesmente cotidianos: as vidas tomam rumos diferentes, simplesmente.
Alguns fins nem são percebidos, resta a crença de que a pessoa ainda é realmente parte do teu rol de amigos. Outros são mais sentidos: a ausência é notada constantemente e dói.

Não importa como, há um fim.
E, como todo fim, deixa marcas.

E quem já tem muitas marcas, como eu, aprende que o melhor de tudo é praticar o desapego. Não ser próxima demais. Não confiar demais. Não contar com ninguém. Cercar-se de pessoas que possam te divertir, te entreter, te fazer companhia, mas nunca achar que elas são essenciais. Aprender a ser sozinha, a estar sozinha.

Porque um dia acaba. Ah, acaba. Pode até ser que outro dia as coisas mudem e voltem a ser parecidas com o que eram.
Mas nunca serão iguais. E sempre vai faltar algo, o que vai acabar sempre te lembrando que um dia já acabou. E que vai acabar novamente. Porque quase sempre acaba.


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terça-feira, 17 de agosto de 2010

dos momentos bons

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E entre todos os momentos bons dos últimos meses, os meus preferidos ainda são os mesmos lá do começo: quando você, dormindo, coloca teu braço ao redor de mim.


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=)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

"Fiquei deitado ali, satisfeito em tocar a ponta de um seio com a ponta de um dedo, e tive aquela percepção que cai como chuva, pois agora compreendia que o amor não era uma dádiva, e sim um juramento. Somento os bravos poderiam conviver com o amor por mais do que um instante."

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Norman Mailer
Um sonho americano


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quarta-feira, 16 de junho de 2010

a biblioteca de cada um

“... de repente vi a luz: todos os livros que possuímos, tanto os lidos como os não lidos, são a mais pura expressão de personalidade que temos à nossa disposição. É claro que minha música também expressa quem sou, mas, como só curto mesmo rock e suas mutações, várias partes de mim – minha queda para a ópera raramente levada em conta, por exemplo – não são representadas na minha coleção de CDS. E também não tenho espaço na parede, nem grana para toda a arte que gostaria de ter, e minha casa é uma bagunça e arruinada por crianças... mas a cada ano que passa, e com cada compra excêntrica, nossas bibliotecas vão se tornando cada vez mais capazes de articular quem somos, independente do fato de lermos ou não os livros.”

Nick Hornby

In Frenesi Polissilábico

segunda-feira, 10 de maio de 2010

do amor ideal

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"Esse amor era incomumente completo. Irina amava tudo em Lawrence, tal como ele era - inclusive sua rispidez com as outras pessoas, sua má postura, sua dependência da televisão, um vazio pernicioso que ela jamais conseguira preencher em todos aqueles anos de vida em comum. Ao mesmo tempo, sentia um relaxamento. O amor romântico é uma corda esticada e, em certos aspectos, uma luta, pois sempre nos debatemos, se não contra a pessoa amada em si, contra nossa própria escravização indigna a outro ser humano. Era possível que houvesse um tipo de amor diferente, uma vez empatado o cabo-de-guerra - um amor solto, generoso e seguro, um amor relaxante, tranquilo e descontraído, como quem se reclina com um copo de vodca-tônica e põe os pés para cima da balaústrada da varanda, depois de uma exaustiva tarde de esportes. Mas era igualmente possível que, enfim acolhendo Lawrence em sua totalidade, não mais batalhando contra as muitas deficiências que gostaria de corrigir, não mais se enfurecendo com os numerosos aspectos em que ele frustrava o ideal, Irina houvesse desistido dele."



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Lionel Shriver
O mundo pós-aniversário
o último trecho, prometo.



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das coisas que são difíceis de admitir

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"-Não sei se algum dia admiti isso para você com franqueza. Sempre quis que você me achasse ambiciosa... sabe, uma profissional séria e tudo mais. E eu gosto... ou gostava, e suponho que voltarei a gostar do que faço, e de tentar fazê-lo bem feito. Mas a verdade é que só existe uma coisa que eu realmente sempre quis, mais do que qualquer outra coisa, e não é o sucesso profissional. Eu poderia viver sem ele. A única coisa sem a qual não posso viver é um homem. Isto deve parecer pavoroso, dito assim, às claras! Mas, correndo o risco de parecer idiota, eu queria um amor verdadeiro e duradouro. Acho que até envelhecer seria interessante, desde que eu pudesse fazê-lo ao lado de outra pessoa. Eu queria um companheiro. Talvez não até o último suspiro; alguém sempre tem que ir na frente. Mas pelo menos até os setenta e tantos anos, sabe? A questão é que... eu achava que essa era uma ambição modesta. Achava que, almejando tão pouco, eu teria uma chance de conseguir o que queria. E agora, mesmo com um objetivo tão mísero, fracassei. Eu suporto ficar sozinha, não me entenda mal. Fica tudo bem. Mas não achei que estivesse pedindo tanto, Lawrence, especialmente considerando que eu me dispunha a fazer um pacto com o universo, sacrificando tudo em nome disso: dinheiro, fama, prestígio, a salvação do mundo, a descoberta da cura do câncer. Por isso, eu me sinto lesada. Tudo o que eu pedia era para caminhar de mãos dadas rumo ao pôr do sol, e até isso me foi negado."



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Lionel Shriver
ainda


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"Curiosamente, as lembranças dela eram mais consoladoras do que dolorosas. O que não fazia sentido. Ele sabia que devia estar com raiva. Sabia que provavelmente estava. Sabia que ficaria melhor se a odiasse, não necessariamente muito, mas um pouquinho. Mas não queria odiá-la, e isso não vinha de uma forma natural, e era provável que não adiantasse mesmo. ela era uma perfeita idiota, e isso era uma pena. mas idiota não era o mesmo que má. talvez essa fosse uma distinção que ele deveria ter admitido algum tempo antes.
Não queria pensar assim - no que estava sentindo. Preferia pensar no que fazia e no que iria fazer. Mas Irina não percebia que não pensar jno que se sentia não era igual a não sentir nada. Ele não gostava de ficar sem jeito, e tinha suposto que ela compreendia. Mas parecia que não. Ou talvez ela simplesmente não desse a mínima para o que ele sentia, embora lhe fosse difícil acreditar nisso. De qualquer modo, quanto a essa merda de sentir, agora só havia uma regra, que ele se impunha com disciplina militar: estava livre para pensar em qualquer outra coisa que quisesse. Mas era absolutamente proibido imaginar que ela pudesse voltar."


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Lionel Shriver
O mundo pós-aniversário



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quinta-feira, 6 de maio de 2010

das mudanças do gostar

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"Por trás dessa sua irritação justificada, entretanto, espreitava uma exasperação menos defensável: pelo fato de Lawrence, apesar de não ser baixo, não ser muito alto. De Lawrence, mesmo estando em forma, não ter uma silhueta mais fina, porque não havia abdominais que conseguissem afinar uma certa grossura de seu tronco, já que esse era o feitio de seu corpo. De Lawrence, apesar de bem-sucedido em sua área, não ter uma ocupação exótica que mantivesse magnificamente abertas as cozinhas dos restaurantes, em qualquer horário, e que o instalasse em hotéis chiques. De Lawrence, apesar de virtuoso, não exalar um perfume inebriante de fumo escuro e torrado, de vinho tinto caro e de algo mais em que Irina não conseguiria pôr o dedo, e provavelmente não deveria. De Lawrence, apesar de bem-falante, ter um velho e batido sotaque norte-americano, igualzinho ao dela.
Do outro lado da balança estava a bondade mental. De certo modo, eram justamente as falhas de Lawrence que ela amava - ou era para revelar suas falhas que servia o amor dela. Irina jamais esqueceria a primeira vez em que havia notado que o cabelo de seu companheiro estava começando a rarear, nem a ternura penetrante que essa descoberta havia fomentado. Perversamente, ela o amara mais por ter menos cabelo, nem que fosse por ele precisar de um pouquinho mais de amor para compensar qualquer minúsculo acréscimo de beleza objetiva que tivesse perdido. Assim, nessa noite, foi justamente o fato de ele não ser alto - de ter sido, sim, meio chato no jantar, além de desconfiado e, por isso mesmo, menos agradável, para não falar em ríspido, preconceituoso e impaciente, com uma manchinha de mostarda na gola da capa, provavelmente do sanduíche de presunto do almoço -, o próprio fato de ele não fazer os empregados darem pulos, por ser uma grande celebridade, e de não falar com um sotaque cativante do sul de Londres, e de não exibir dedos primorosamente afilados, mas uns cotos curtos e grossos feito a salsicha do café da manhã, foi tudo isso que a fez pender para uma disposição mais terna. Irina cingiu-lhe a cintura com os braços. O abraço com que Lawrence retribuiu foi ferroz."


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Lionel Shriver
que, no segundo livro que escreveu, O mundo pós-aniversário, já conquista lugar na minha lista de preferidos
porque só ela consegue brincar com as intrincações da psicologia dessa maneira.


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terça-feira, 13 de abril de 2010

do fluxo das idéias

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Mil idéias passam correndo pela minha mente.
Penso em coisas que gostaria de dizer, mas elas se perdem no ar.
Tento refletir, mas me perco no meio de alguma coisa da vida.

Dizem os poetas que é preciso ser triste para fazer poesia.
Começo a concordar. Escrever feliz é difícil.
Viver feliz é muito melhor.



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terça-feira, 6 de abril de 2010

da solidão e da paixão

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"'Tell me, when you're alone do you sometimes think about your partner and feel sad?'
'Of course,' he says. 'It happens sometimes. When the moon turns blue, when the birds fly south, when - '
'Why of course?' I ask.
'Anyone who falls in love is searching for the missing pieces of themselves. So anyone who's in love gets sad when they think of their lover. It's like stepping back inside a room you have fond memories of, one you haven't seen in a long time. It's just a natural feeling. You're not the person who discovered that feeling, so don't go trying to patent it, okay?'"




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me apaixonei pelo livro:
Kafka on the shore
Haruki Murakami



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segunda-feira, 15 de março de 2010

dos achados e das descobertas

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Ao pegar o caderno para escrever coisas novas, encontrei, meio sem querer, as coisas velhas, escritas há tempo.
E descobri que não perdi toda minha inocência, talvez.
Mas estou mais feliz, sem dúvida.



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terça-feira, 9 de março de 2010

as palavras. o poder.


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"
Josef: I thought um, you and I, maybe we could go away somewhere. Together. One of these days. Today. Right now. Come with me.
Hanna: No, I don't think that's going to be possible.
Josef: Why not?
Hanna: Um, because I think that if we go away to someplace together, I'm afraid that, ah, one day, maybe not today, maybe, maybe not tomorrow either, but one day suddenly, I may begin to cry and cry so very much that nothing or nobody can stop me and the tears will fill the room and I won't be able to breath and I will pull you down with me and we'll both drown.
Josef: I'll learn how to swim, Hanna. I swear, I'll learn how to swim."



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"Josef: Eu achei.. hm, você e eu, talvez nós pudessemos ir para algum lugar. Juntos. Um dia desses. Hoje. Agora mesmo. Venha comigo.
Hanna: Não, eu não acho que isso seja possível.
Josef: Por que não?
Hanna: Hm, porque eu acho que se a gente for para algum lugar juntos, eu tenho medo que, ah, um dia, talvez não hoje, talvez, talvez não amanhã também, mas um dia, de repente, eu posso começar a chorar e chorar tanto que nada ou ninguém possam me fazer parar e as lágrimas vão encher a sala e eu não serei capaz de respirar e eu vou te levar para baixo comigo e nós dois vamos nos afogar.
Josef: Eu vou aprender a nadar, Hanna. Eu juro, eu vou aprender a nadar."



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Do filme
A vida secreta das palavras
Izabel Coixet


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palavras certas, na hora certa.
necessário, vital.



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da necessidade de lágrimas

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"Certa ocasião, outro homem bebendo num bar começou a me xingar - a me dizer que tratasse de sumir com a droga da minha boca da frente dele - e eu, subitamente, explodi em lágrimas. Ken passou o braço ao redor dos meus ombross e levou-me direto para a rua. Não havia luz, estava tudo escuro. Isso foi durante a guerra em Londres. Caminhamos um longo trecho em silêncio. Se você tiver que chorar, disse ele, e, às vezes, não se pode fazer nada, de modo que, se você tiver que chorar, chore depois, nunca durante! Lembre-se disso. A menos que você esteja com aqueles que amam você, e neste caso você já será uma pessoa de sorte, pois nunca existem muitos que amam você - se estiver com eles, você pode chorar durante. Caso contrário, chore depois."



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John Berger
Aqui nos Encontramos



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preciso aprender a chorar depois.



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segunda-feira, 8 de março de 2010

outras vidas

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"Por que você nunca leu nenhum dos meus livros?
Eu gostava de livros que me levavam para outra vida. Era por isso que lia os livros que lia. Muitos. Cada um era sobre a vida real, mas não sobre o que estava acontecendo comigo quando encontrava meu marcador de livros e continuava a ler. Quando eu lia, perdia por completo o sentido do tempo. Mulheres sempre conjeturam a respeito de outras vidas, a maioria dos homens é ambiciosa demais para compreender isso. Outras vidas, outras vidas que você viveu antes ou que poderia ter vivido. E seus livros, eu esperava, eram a respeito de outra vida que eu só queria imaginar, não viver, imaginar por mim mesma sozinha, sem quaisquer palavras. De modo que foi melhor que eu não os lesse. Eu podia vê-los através do vidro da porta da estante. Isso era suficiente para mim.

(...)
Corro o risco de escrever absurdos hoje em dia.
Apenas escreva a respeito do que encontrar.
Nunca saberei o que encontrei.
Não, você nunca saberá. Tudo o que você precisa saber é se está mentindo ou se está tentando contar a verdade, você já não pode mais se dar ao luxo de cometer um erro quanto a esta distinção..."



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do livro
Aqui nos Encontramos
John Berger



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"

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

uma lindeza para terça de manhã

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daquelas coisas que você nem sabe descrever:








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tom waits, muso, lendo uma poesia linda do bukowski:


"the laughing heart


your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is a light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you."




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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

ideal?

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"Durante as duas horas que se passaram, ele esteve num sonho absorto, que diluiu toda sensação de tempo e toda consciência das outras partes da sua vida. Mesmo a consciência da própria existência desapareceu. Foi lançado num presente puro, livre do peso passado ou de qualquer preocupação acerca do futuro. Em retrospecto, se bem que nunca no momento, parece uma felicidade profunda. É um pouco semelhante ao sexo, pois ele se sente em um outro meio, porém é menos obviamente prazeroso e, sem dúvida, não é sensual. Tal estado mental traz uma satisfação que ele nunca encontra em nenhuma outra forma de distração passiva. Livros, cinema, até música não conseguem lhe proporcionar isso. Trabalhar com outras pessoas faz parte da sensação, mas não é tudo. Essa dissociação benevolente parece requerer dificuldade, demoradas exigências de concentração e destreza, pressão, problemas para resolver, e até perigo. Sente-se calmo, à vontade, plenamente apto a existir. É um sentimento de vazio esclarecido, de alegria profunda e silenciosa. Sem contar a música de Theo e fazer amor, estar de volta ao trabalho lhe trouxe mais felicidade do que qualquer outro momento desse dia de folga, o seu precioso sábado. Quando se levanta para sair da sala de cirurgia, conclui que deve haver algo errado com ele."



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Ian McEvan
Sábado



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ah, a paz...

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"-E permita-me ainda uma palavra - começou de novo o Mestre do Jogo dos Avelórios em voz baixa.- Gostaria de dizer-te uma coisa sobre a serenidade, a serenidade das estrelas e do espírito e também sobre nosso estilo de serenidade. Tens aversão à serenidade, provavelmente porque foste obrigado a seguir um caminho de tristeza e agora toda forma de clareza e bom humor, e especialmente a que cultivamos em Castália, parece-te superficial e infantil e igualmente covarde, uma fuga, diante do pavor dos abismos da realidade, para um mundo claro, bem-0rdenado, de puras fórmulas e fórmulas, de puras abstrações e filigranas. Mas, meu caro tristonho, vá lá que exista essa fuga, vá lá que não faltem castálicos covarde, medrosos, que brincam com puras fórmulas, que eles constituam até a maioria; isto não tira nada da genuína serenidade do céu e do espírito, não invalida o seu brilho e o seu valor.
[...]
Alcançar essa serenidade é para mim e para muitos companheiros de ideal o mais alto e o mais nobre de todos os fins. Igualmente a encontras em alguns de nossos pais da Direção da Ordem. Essa serenidade não é nem brincadeira nem vaidade, é o mais alto conhecimento e amor, é toda a realidade, é estar desperto e atento à beira das profundezas e abismos, é uma virtude dos santos e cavalheiros, é imperturbável e tende a crescer com a idade e a proximidade da morte. Ela é o segredo do belo e a mesma substância de toda arte."



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Hermann Hesse
O Jogo das Contas de Vidro

think big?

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"Numa recente noite de domingo, Theo soltou um aforismo: quanto mais abrangente é o nosso modo de pensar, mais tudo parece escroto. O pai pediu-lhe que explicasse melhor, e ele disse:
- Quanto mais a gente olha para as coisas grandes, a situação política, o aquecimento global, a pobreza do mundo, tudo parece mesmo horrível, nada está melhorando, não há nada de bom para esperar. mas então eu penso nas coisas pequenas, próximas... sabe como é, uma garota que acabei de conhecer, ou essa música que a gente vai tocar com o Chas, ou brincar na prancha de esquiar na neve, no mês que vem, e aí parece ótimo. Então, o meu lema será este: pense nas coisas pequenas."



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do livro Sábado
do Ian McEwan, gênio


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E quais são as coisas pequenas em que você vai pensar?




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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

fear of the dark

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Sou medrosa, fato.

Consegui curar meu medo (irracional) de baratas. Ainda tenho medo de cobras, mas já está melhor do que era. Nunca tive medo do escuro. Tenho medo de mexer com gás e com eletricidade. Não acho que eu tenha medo de morrer.

Mas o maior dos medos sempre foi de outro tipo. É o medo de me entregar. Medo de sentir. Medo de ter prazer. Medo de me acostumar com o que é bom. Medo de ter companhia. Medo de gostar. Medo de me apaixonar. Medo de amar.

Medo de não ter mais abraço, beijo, carinho, amassos e braços. Medo de não ter mais sossego. Medo de não conseguir parar de pensar. Medo de não esquecer.

Medo de perder o controle. Medo de ficar sem chão. Medo de não saber o que fazer. Medo de saber o que fazer, e não ter coragem de fazer. Medo de fazer o que tem que ser feito. Medo de não fazer o que tem que ser feito. Medo de fazer o que não deve ser feito.

Medo de sorrir. Medo de rir. Medo de não ter motivo parar sorrir e para rir. Medo de ter motivo. Medo de admitir que tenho motivo.

Medo de ir e de vir. Medo não ter tempo de ir e vir.

Medo de perder. Medo de querer. Medo de não ter.



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domingo, 17 de janeiro de 2010

há beleza em tudo, até em um velho safado

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" - ei, Bubu, uma garrafa do melhor vinho francês... toma devagar, vai te fazer bem. inclusive dormir. fica contente. não vou dizer que a gente te ama, é fácil demais. e se quiser vir lá para baixo, para dançar e cantar, bater papo, tudo bem. faça o que você achar melhor. o vinho está aqui.
me entrega a garrafa. ergo como se fosse uma corneta maluca qualquer, de novo e mais uma vez. pela cortina rasgada, salta um pedaço da lua minguante. é uma noite simplesmente perfeita; não é uma prisão; longe disso...
de manhã, quando acordo, desço para mijar, volto do banheiro, e encontro os dois dormindo naquele sofá tão estreito que mal dá para um, só que são dois, com os rostos colados, adormecidos, pra que ser peigas??? sinto apenas um pequeno nó na garganta, a melancólica constatação imediata da beleza, de que alguém seja capaz, que nem sequer me odeiem... que até mesmo me desejam o quê?...
saio dali resoluto, com dó, sentimento, ressaca, tristeza, o velho Bukowski, sol alto e o céu ainda estrelado (...)"



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Bukowski
em Crônica de um amor louco


terça-feira, 5 de janeiro de 2010

admirável, sem dúvida

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"- Você nunca teve a sensação de ter em si alguma coisa que, para se exteriorizar, espera somente que você lhe dê a chance? Uma espécie de força excedente que você não esteja utilizando, algo assim como aquela água toda que se precipita na cachoeira em vez de passar pela turbinas?
Dirigiu a Bernard um olhar interrogativo.
- Você se refere às emoções que se poderia experimentar se as coisas fossem diferentes?
Helmholtz balançou a cabeça.
- Não é bem isso. Estou pensando numa sensação estranha que experimento às vezes, a sensação de ter alguma coisa importante a dizer e o poder de exprimi-la... só que eu não sei o que é, e não posso utilizar esse poder. Se houvesse algum outro modo de escrever... Ou então, outros assuntos a tratar... - calou-se; depois: - Você vê, eu sou bastante hábil em inventar frases, quero dizer, essas expressões que nos dão um sobressalto, quase como se a gente se sentasse sobre um alfinete, tão novas e excitantes elas parecem, embora se refiram a alguma coisa hipnopedicamente óbvia. Mas isso não parece suficiente. Não basta que as frases sejam boas, seria preciso que o que delas se fizesse também fosse bom."


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"A felicidade é uma soberana exigente, sobretudo a felicidade dos outros. Uma soberana muito mais exigente do que a verdade, quando não se está condicionado para aceitá-la sem restrições."



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"- Livraram-se deles. Sim, é bem o modo de os senhores procederem. Livrar-se de tudo o que é desagradável, em vez de aprender a suportá-lo. Se é mais nobre para a alma sofrer os golpes da funda e as flechas da fortuna adversa, ou pegar em armas contra um oceano de desgraças e, fazendo-lhes frente, destruí-las... Mas os senhores não fazem nem uma coisa nem outra. Não sofrem e não enfrentam. Suprimem, simplesmente, as pedras e as flechas. É fácil demais."




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Admirável mundo novo
Aldoux Huxley



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domingo, 3 de janeiro de 2010

utopia?

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"Era esse o mundo em que ela crescia e ele envelhecia. Os dois criaram para si mesmos um santuário longe de Trachimbrod, um habitat completamente diferente do resto do mundo. Nenhuma palavra de ódio era jamais pronunciada, e nenhuma mão erguida. Além disso, nenhuma palavra raivosa era jamais pronunciada, e nada era negado. Mas além disso, nenhuma palavra sem amor era jamais pronunciada, e tudo era revelado como uma pequena prova de que pode ser desse jeito, não tem que ser daquele jeito; se não há amor no mundo, faremos um novo mundo, dando-lhe paredes fortes e macios interiores vermelhos, de dentro para fora, e uma aldrava que ressoe como um diamante caindo no feltro de um joalheiro, para que jamais a ouçamos. Dê-me amor, pois o amor não existe, e eu já experimentei tudo que existe"


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do “Tudo se ilumina”, de Jonathan Safran Foer



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