domingo, 27 de dezembro de 2009

"(...) Mas é que não posso ser um desses tipos que andam sempre de peito aberto. Para mim é difícil ser carinhoso, inclusive na vida amorosa. Sempre dou menos do que tenho. Meu modo de amar é esse, meio reticente, reservando o máximo somente para as grandes ocasiões. Talvez haja uma razão para isso na minha mania por matizes, por graduações. De modo que, se sempre estivesse me expressando no limite, o que deixaria para esses momentos (há uns quatro ou cinco em toda uma vida para cada indivíduo) em que alguém deve dar tudo de si? Também sinto um leve receio de ser piegas, e para mim pieguice é justamente isto: andar sempre com os sentimentos à flor da pele. Para aquele que chora todo os dias, que recurso lhe restará quando uma grande dor se abater sobre ele, uma dor para qual sejam necessárias as máximas defesas? Sempre há o suicídio, mas isso, depois de tudo, não deixa de ser uma solução pobre. Quero dizer que é praticamente impossível viver em uma crise permanente, fabricando-se uma impressionabilidade em que a pessoa possa submergir (uma espécie de banho diário) em pequenas agonias. As boas senhoras dizem, com seu habitual sentido de economia psicológica, que não vão ao cinema assistir a filmes tristes porque "a vida em si já é bastante amarga". E têm certa razão: a vida é suficientemente amarga para que, além disso, fiquemos chorosos, melindrosos ou histéricos só porque algo se antepôs em nosso caminho e não nos deixa seguir nosso percurso até a felicidade, que às vezes vai lado a lado com o desatino.


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Mario Benedetti
A trégua



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da série Leituras de férias
fazia tempo que queria ler ele, e está valendo a pena
simples, mas profundo


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