domingo, 23 de agosto de 2009

do desespero

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"Sou uma conferência ou um romance? Deus, que pergunta. Vocês me desculpem. Parece que regressei aos dias em que era jovem, vivia em Paris e estava desesperado e não parava de me fazer perguntas. Normalmente se abrem diante dos jovens horizontes de esperança, mas há os que escolhem o desespero, e eu não era um destes, pois não sabia muito bem por onde ir na vida, e além do mais, tinha a impressão de que estar desesperado era mais elegante, vestia melhor do que ser um pobre jovem apegado à esperança. O fato é que tenho a impressão de estar voltando a ser aquele jovem que tantas perguntas se fazia. Sou uma conferência ou um romance? Sou? De repente, tudo são perguntas. Sou alguém? Sou o quê? Pareço fisicamente com Hemingway ou não tenho nada a ver com ele? Pelo que vejo, respeitável público, parece que vocês têm a mesma opinião que minha mulher e meus amigos. Vocês tem o mesmo semblante que eles e que os organizadores de Key West. Não sei por que, parece que estão me desclassificando. Fazem isso, sem dúvida, guiados por sua sensatez. Sem dúvida eu preciso acreditar que vou ficando cada vez mais parecido fisicamente com o ídolo de meus anos parisienses, pois somente isto ainda me une sentimentalmente aos meus dias de juventude. Por outro lado, creio que tenho direito de poder enxergar-me diferente de como me vêem os demais, me enxergar como der na veneta e que não me obriguem a ser essa pessoa que os outros decidiram que eu sou. Somos como os outros nos vêem, concordo. Eu, porém, resisto a aceitar tamanha injustiça. São anos tentando ser o mais misterioso, imprevisível e reservado possível. São anos tentando ser um enigma para todos. Para isso, com cada pessoa adoto uma postura diferente, procuro fazer com que não haja duas pessoas que me vejam da mesma maneira. Sem dúvida, essa esforçada tarefa se está revelando inútil. Continuo sendo como os outros querem me ver. E pelo visto todos me vêem igual, como lhes der na veneta."



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Enrique Vila-Matas
Paris não tem fim



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eu esperava bastante desse livro.
mas, confesso, nem tanto.
uma agradável surpresa, portanto.
e o claro entendimento do porquê Vila-Matas está tão 'hype' por aí



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domingo de sol, lendo e tomando caipirinha na beira da piscina.



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